Policiais confrontam uma gangue durante um protesto contra o governo do primeiro-ministro Ariel Henry em Porto Príncipe, Haiti, em 1º de março de 2024.Ralph Tedy Erol/Reuters
Em uma cidade silenciada pelas gangues, todos ouvem o zumbido de um helicóptero no meio da noite – um breve sinal de que alguém com muita sorte conseguiu deixar Porto Príncipe.
A CNN conseguiu pousar de helicóptero na capital haitiana na sexta-feira (15), após dias de planos intermitentes que exigiam medidas de segurança detalhadas e múltiplas camadas de aprovação diplomática.
Desde a nossa visita anterior ao Haiti, no mês passado, a situação piorou drasticamente. O primeiro-ministro sitiado, Ariel Henry, anunciou a sua decisão de se afastar, mas não está claro quem irá preencher o vazio ou quando.
O prometido governo de transição ainda não se concretizou e os planos para uma força de estabilização liderada pelo Quênia estão no limbo
Hoje em dia, as pessoas comuns raramente saem de casa em Porto Príncipe, onde as batalhas diárias entre a polícia e as gangues lançam nuvens de fumaça no ar, e os tiros ecoam pelas ruas em silêncio.
As avenidas que normalmente estariam lotadas de carros e vendedores estão vazias, e os táxis pintados “tap tap” da cidade raramente ficam cheios.
Restam poucos lugares para ir. Todas as estradas que saem da cidade estão bloqueadas por gangues, assim como o acesso ao porto, e o aeroporto internacional da cidade foi fechado, com as paredes cheias de buracos de bala.
Nada está entrando também; os supermercados da cidade estão ficando sem comida. Os postos de gasolina estão sem combustível. Os hospitais estão com os estoques de sangue baixos.
Na noite de sexta-feira, tiros puderam ser ouvidos nas colinas da cidade. Mais abaixo, uma operação policial também estava em andamento no território do notório líder de gangue e ex-policial Jimmy Cherizier, também conhecido como “Barbecue” (“churrasco”, em inglês).
As Nações Unidas estão trabalhando para criar uma ponte aérea entre Porto Príncipe e Santo Domingo, na vizinha República Dominicana, que transportaria suprimentos vitais para a cidade.
Mas, por enquanto, a única coisa que chega a Porto Príncipe são os helicópteros de evacuação particulares – um lembrete amargo da grande desigualdade que assola o Haiti há décadas, onde a maioria das pessoas vive com menos de US$ 4 (cerca de R$ 20) por dia.
Centenas de pessoas estão colocando seus nomes em listas para fugir de Porto Príncipe por via aérea, disseram vários pilotos à CNN – uma pequena classe de estrangeiros ricos e diplomatas com recursos e rede para considerar fretar um voo privado onde um único assento atualmente pode custar mais de US$ 10 mil.
Os helicópteros podem ser ouvidos regularmente à noite e de manhã cedo, dizem os moradores de Porto Príncipe, com uma diferença audível entre os pequenos helicópteros privados que chegam da República Dominicana e os helicópteros militares maiores que se acredita serem usados por algumas missões diplomáticas, incluindo os Estados Unidos.
No entanto, nenhuma quantia de dinheiro ou planejamento pode eliminar o perigo de voar através de uma zona de guerra, e os pilotos dizem que estão cada vez mais cautelosos ao realizar voos de evacuação. De um dia para o outro, nunca fica claro quando será possível o próximo voo.
Dois pilotos disseram à CNN que ouviram tiros enquanto realizavam uma evacuação. “Quando você ouve o ping, ping, ping das balas passando, você não quer mais fazer isso”, disse um deles.
“No que me diz respeito, toda a cidade é governada por gangues”, disse outro, mostrando à CNN um mapa da densa expansão urbana de Porto Príncipe, onde diz ser incapaz de prever de onde os tiros poderão vir.
Segundo estimativas da ONU, 80% de Porto Príncipe é atualmente controlada por gangues. O Haiti entrou em crise no início de março, quando gangues pediram a demissão do primeiro-ministro Henry e do seu governo.
Pela primeira vez, segundo fontes de segurança, gangues e coligações rivais começaram a causar estragos coordenados, compartilhando território para avanços táticos.
A polícia nacional do Haiti lutou bravamente, mas com recursos limitados. Eles não podem estar em todos os lugares ao mesmo tempo – e eles próprios são muitas vezes os alvos, com várias delegacias de polícia atacadas ou incendiadas nas últimas duas semanas.
A atual crise de segurança do Haiti é a mais devastadora que o Haiti enfrentou nos últimos anos – uma escalada outrora impensável para um país que há muito sofre violência crônica, crises políticas e secas, deixando cerca de 5,5 milhões de haitianos – cerca de metade da população – necessitando de assistência humanitária.
Henry chegou ao poder não eleito em 2021, após o assassinato do então presidente do Haiti, Jovenel Moïse.
O seu mandato foi marcado por meses de violência crescente entre gangues, que se tornou mais intensa depois que ele não conseguiu realizar eleições no mês passado, dizendo que a insegurança do país comprometeria a votação.
Na segunda-feira (11), no meio de uma enorme pressão para fazer algo para estancar a violência em Porto Príncipe, Henry anunciou a sua renúncia. Ele entregaria o poder a um conselho de transição, disse. Mas no final da semana, o conselho ainda não tinha sido formado.
Uma última esperança para Porto Príncipe poderá ser o envio de tropas do exterior para reforçar a polícia e confrontar as gangues, em uma missão solicitada por Henry, com luz verde do Conselho de Segurança da ONU e liderada pelo Quênia.
Restaurar a paz nas ruas seria o primeiro passo para permitir que o Haiti realizasse uma votação e eventualmente elegesse um novo governo.
Na verdade, quando o pior da violência eclodiu na semana passada, Henry estava no Quênia para assinar um acordo para enviar 1 mil agentes da polícia quenianos para o Haiti.
Mas à medida que o caos continua, as esperanças para a cavalaria em Porto Príncipe estão desvanecendo. Após o anúncio da demissão de Henry, o Quênia disse que o envio das suas forças seria adiado, citando a instabilidade do governo haitiano.
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